estive pensando no que fazer com o tempo que passou. jogo tudo fora? guardo com carinho? o que eu faço com todos esses dias? meses? não chegamos a um ano. por enquanto, guardo aqui no lado esquerdo do peito, adormecido mas não esquecido. isso ainda não posso fazer. tento me acostumar com a ausência que o dicionário me falou que existe na saudade. fico triste pois hoje estava andando pelo centro da cidade e lembrei que agora não tenho mais alguém pra se preocupar comigo andando pela praça da república dez e meia da noite enquanto eu, como sempre, digo que é claro que não precisa se preocupar, eu sou inatingível. mas não sou.
essa parte é difícil. não sou inatingível, preciso repetir pra mim mesmo no espelho embaçado de vapor de cada banho que uso pra me anestesiar na água cheia de cloro. você ainda é uma pessoa por baixo de toda a pose e confiança exagerada que todo mundo pode perceber que é disfarce pra um vazio que tá mais lá no fundo. sobraram pedacinhos de mim. pedacinhos de você. fragmentos que estou lutando pra guardar enquanto minha cabeça tenta tirá-los de mim. luto pra não esquecer, até. de quem eu sou. de quem vou ser agora. eu disse que precisava me reconstruir e meu amigo disse que não. eu precisava me renovar. como um prédio comercial que agora vai mudar o ramo de negócios. os escritórios estão vazios e agora preciso ver o que posso usar do que sobrou e o que preciso de novo.
sobrou uma escova de dente, um livro e uma polaroid.